quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Ialorixá Stella de Oxóssi toma posse hoje na Academia de Letras da Bahia


Quando a Academia de Letras da Bahia - ALB  foi fundada, em 1917, o terreiro  Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro, já tinha sete anos de existência. Comandado pela ialorixá Eugênia Anna dos Santos, a Mãe Aninha (1869-1938), o candomblé tinha preocupações básicas,  como garantir seu próprio funcionamento e o bem-estar de seus fiéis. Bem distantes das questões que ocupavam a elite intelectual da cidade.

Quase um século depois, os caminhos das duas instituições se cruzam hoje, com a posse de Mãe Stella de Oxóssi, 88 anos, primeira mãe de santo a se tornar imortal. A sessão acontece às 20h, na sede da ALB, em Nazaré, com saudação feita pela escritora e acadêmica Myriam Fraga.

No discurso que fará para os colegas, Mãe Stella refletirá sobre o significado de sua entrada na academia. “Foi uma surpresa agradável. Nem sabia que tinha espaço para mim naquela casa”, cutuca Mãe Stella. Mas, depois de refletir bem sobre o assunto, concluiu que já “fez por onde”. Ou, em outras palavras, que a distinção é fruto de seu reconhecido trabalho em prol da religião.

 “Acho que fiz muito para mostrar o que nós somos e por que estamos aqui”, afirma Mãe Stella, quinta na linha sucessória do Ilê Axé Opô Afonjá. “Quando comecei, era tudo muito escondido. Quando se perguntava a religião de alguém do candomblé ela dizia que era católica”, afirma a ialorixá, uma das primeiras lideranças a se manifestar amplamente contra o sincretismo na religião.

Narrativas
Na Academia, Mãe Stella  vai ocupar a  cadeira  33, cujo patrono é o poeta Castro Alves (1847-1871) e teve como último ocupante o historiador Ubiratan Castro (1949- 2013), de quem era amiga. “Acho que são desígnios do destino”, afirma Mãe Stella, que é admiradora da poesia de Castro Alves. Substituir Ubiratan, um dos poucos negros na história da casa baiana, também é motivo de orgulho.

“Vamos esperar que outros negros ocupem esses lugares. No meu caso, sou mulher, negra e ialorixá... Parece que a humanidade está se humanizando”, diz, com largo sorriso. Além da importância religiosa de Mãe Stella, sua escolha para a Academia destaca o interesse demonstrado pela literatura e a preocupação em falar sobre as tradições e principais fundamentos do candomblé.    

“O que não está escrito some, se perde”, resume Mãe Stella, que é autora de seis livros, publicados a partir de 1988. O último, lançado  ano passado, é a coletânea Opinião, que reúne textos de sua coluna no jornal A Tarde.

Filha de uma família classe média, Mãe Stella conta que sempre gostou de ler. Teve várias fases, como os romances açucarados da adolescência. Ela é formada em Enfermagem pela Ufba, profissão que exerceu até passar a se dedicar integralmente à religião.

Antigo x novo
Desde que foi iniciada no candomblé por Mãe Senhora (1942-1967), aos  14 anos, ela começou a estudar  aquele novo mundo. “Passei a prestar atenção nos preceitos, nas conversas e a fazer muitas anotações, pois nós temos nossa própria teologia”. Talvez o livro mais emblemático da ialorixá seja Meu Tempo É Agora (1993), no qual ela defende a importância do texto escrito dentro da religião, ainda fortemente baseada na oralidade. 

O próximo livro de Mãe Stella, que tem dois volumes e já está pronto, é sobre o jogo de búzios. “É o oráculo essencial,  a forma de nos comunicarmos com os orixás”, resume, acrescentando que não quer que as coisas que aprendeu fiquem só com ela. Assim como suas outras obras, destaca, trata-se de um trabalho coletivo, parceria com vários filhos de santo, que ajudam na pesquisa e na digitação. “No computador, sou analfabeta”, brinca.

 No comando do Afonjá desde 1976, Mãe Stella foi responsável por inciativas como a Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos e o Museu Ilê Ohum Lailai - Casa das Coisas Antigas, que funcionam dentro do próprio terreiro, ampliando sua atuação. O museu, criado em 1999,  é o xodó da ialorixá. Ela conta que a Casa de Oxalá, a maior nas dependências do terreiro e onde acontecem vários preceitos religiosos, acumulava uma grande quantidade de coisas antigas, com muito valor simbólico.

“Tinha muita coisa boa, roupas, ferramentas e objetos de culto. Até a capa do Xangô de Mãe Aninha estava lá. Daí veio a ideia do museu”, recorda.  A escola, de 1978, era um desejo antigo de Mãe Aninha, que queria ajudar na alfabetização da comunidade do terreiro. “Ela costuma dizer ‘eu  hei de  ver os meus filhos servindo a Xangô com um anel no dedo’”, recorda, referindo-se ao orixá que rege o Afonjá.

Oxóssi
Além de sua entrada para a Academia de Letras da Bahia, o dia de hoje é muito especial para Mãe Stella. Exatamente nesta data ela completa 74 anos de iniciação religiosa e dedicação ao orixá Oxóssi. Por conta da posse, a festa no terreiro será apenas para os mais chegados. Mãe Stella, que já dedicou um livro a Oxóssi, diz que o desafio do candomblé é aprender a se relacionar com as forças da natureza.

“Nós não sabemos exatamente como é Oxóssi. Estas representações que temos - aponta para esculturas e quadros de sua sala de visitas - são interpretações dos artistas”. Na mitologia, continua, seu orixá é guerreiro, caçador e justo, pois só mata para comer.


Entrar para o clube dos imortais no mesmo dia de seu orixá deve ser, no mínimo, um bom sinal. “Espero que minha entrada seja para somar”, diz Mãe Stella, que acredita que, na atualidade, o principal desafio do candomblé é a seriedade. “Para quem vem ver e para quem vem participar. Você só tem respeito se respeitar”.