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Normália Ferreira da Silva |
Por Andréia Salles e Maiara Fernandes
Se
para o povo de santo o termo: "Kossi ewe kossi orixá- se não tem folha não tem orixá", para Normália Ferreira
da Silva, conhecida como Mália, a folha vai além disso, para ela, sem folha não
há sustento. Catadora e vendedora de
folhas, há 24 anos, Mália é mãe de onze filhos, todos criados com o dinheiro que ela
recebe vendendo ervas medicinais. Aos 44 anos de idade, é uma mulher
forte e independente, conta que já trabalhou “com cabo de enxada”, limpando e
plantando nas roças de outras pessoas. Vaidosa, chega ao terreiro Ilê Asé Ode
Oluami, em Simões Filho,
para a entrevista maquiada, imagem que contrasta com a da catadora de folha que
entra no mato com facão, vestida com bota, calça, capote, touca e até chapéu para se
proteger. Bem humorada e orgulhosa da profissão Mália, mostra as mãos calejadas,
feridas de espinho e pela reação alérgica a algumas folhas, durante a entrevista ela nos revela a
preocupação em relação a extinção de
algumas ervas e conta a sua rotina como catadora.
Blog de Jidewa: Vender folha é um bom negócio?
Normália Ferreira da Silva: É um bom negócio, dá para
sobreviver já que folha não tem um prazo de validade, pode ser usada até seca, mas
é bem melhor para quem tem barraca lá em São Joaquim. Cada mói chega á feira
por cinquenta centavos. Eles (os feirantes) dividem cada mói, faz dois e
revendem por até dois reais. Apesar do preço da folha
ser tabelado, por cinquenta centavos, alguns catadores vendem pra eles
até por trinta centavos para não voltarem para casa com a mercadoria.
BJ: Como a senhora descobriu que poderia sustentar a sua família catando
folha?
NFS: Já trabalhei “com cabo de enxada”, limpando e
plantando nas roças de outras pessoas, já fiz muita coisa. Um dia a minha comadre
que é catadora de folha me convidou pra buscar folha com ela. Via que eu
passava dificuldades para criar os dois filhos que eu tinha. Na
época eu já estava grávida do terceiro e hoje eu tenho onze filhos, todos
criados com este dinheiro.
BJ: Quanto tempo levou para a senhora
começar a conhecer cada folha e as suas propriedades?
NFS: Eu aprendi rápido, não levou muito tempo, a
necessidade faz isso (risos). Com um tempo eu fui aprendendo a
identificar cada folha, no começo a maior dificuldade era saber para que
servia cada uma. As pessoas têm que ter cuidado por que como qualquer remédio,
a dose for errada pode até matar. Folha cura e folha mata.
BJ: O mato não é perigoso?
NFS: Às vezes eu vejo cobras, mas não tenho medo dos
animais eu é que estou invadindo o lugar deles. Quando vejo eu mudo o meu
caminho. Dificuldade maior é pra encontrar algumas folhas. Uma vez também
eu me perdi dentro do mato, passei mais de horas perdida. Eu tenho que
andar muito pra achar variedade porque elas não foram plantadas, nasceram lá.
Para marcar o caminho vou roçando com um facão e abrindo o caminho. Uma vez em
pitanga de palmares (outra localidade), apareceu um homem com um pau na mão, e
pedindo para que eu tirassem a roupa, eu reagi e botei ele pra correr.
(risos)
BJ: A senhora já disse que não tem medo dos perigos que
a mata pode oferecer, isso então significa que não há dificuldade neste
trabalho?
NFS: Claro que tem! (risos) Hoje eu
não encontro mais todas as folhas aqui em Simões Filho. Eu tenho que ir pra
Dias D’avila, Nova Dias D’avila, Pitanga de palmares, Mata de São João. Antes
era mais fácil encontrar. Algumas ervas eu planto no meu quintal, kioiô, espada de
ogum, guiné, mas outras não é possível, pelo tamanho que algumas atingem. Eu
corto com o facão, mas não tiro as plantas pela raiz para que elas possam renovar,
crescer, tem catador que tira pela raiz aí a tendência é a folha ficar
extinta.
O pior de
tudo isso é que depois a gente ainda tem que enfrentar o preconceito das
pessoas que dizem que as folhas são para fazer macumba e ficam gritando dentro
do ônibus. Alguns motoristas (de ônibus) também não querem levar a
bagagem.
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Normália separa as folhas para vender |
BJ: Como é a sua rotina?
NFS: Vou “pro” mato todos os dias.
Cato um dia e levo no outro. Quando chego do mato separo cada folha, amarro com
palha de coqueiro e molho pra não murchar. Depois que separo, coloco no carro
de mão e a noite mesmo eu já levo para o ponto de ônibus e deixo lá para levar
no dia seguinte pela manhã para São Joaquim.
Ás três
horas da manhã tenho que estar no ponto para pegar o ônibus que leva os
vendedores para a feira, algumas pessoas levam hortaliças, palha de banana,
folhas, frutas. Chego à feira ás 05h da manhã e volto para (Simões Filho)
ás dez da manhã, nem vou pra casa, já saio para catar ( folha) novamente.
Vendo para os donos de barraca da Feira, as folhas são
encomendadas, já levo separadas.
BJ: Qual a folha mais procurada?
NFS: A folhas mais vendidas são as que servem para banho:
contra inveja, para prosperidade, como a “vence tudo”, “abre caminho”, “tira
teima” e a kioiô. Eles (os comerciantes) procuram também as folhas para fazer
chá.
NFS: Não. Todos os meus filhos sempre ajudavam e ajudam
até hoje. Além disso, eu sempre saio pra catar (folha) com a minha
vizinha, ás vezes encontro alguns catadores também. Meus filhos ajudam nas
tarefas de casa além de catar folha, mas não é sempre porque eu não quero que
eles percam aula de jeito nenhum. Tenho três filhas casadas que sobrevivem
também com o dinheiro da venda de folhas.
BJ: As folhas são vendidas em outro lugar?
NFS: Não. Eu só vendo na Feira de São
Joaquim.
BJ: Quantas sacas de folha a Senhora vende por dia?
NFS: Eu cato (em média) duas sacas por dia que rende mais ou menos cem
reais.
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Malía mostra folhas indicadas para banho |
BJ: Dizem que de médico e louco todo mundo tem um pouco. A senhora é só
catadora ou indica receitas também?
NFS: Apesar de não ser fiel do candomblé eu tenho um cargo no Terreiro,
sou yalosain - a mulher das folhas – Cuidadora de Ossaim (Orixá responsável por todas as
folhas medicinais e ervas utilizadas nos rituais). Já catei muita folha aqui (no terreiro), mas hoje não existe mais.
Ah! eu indico sim. Indico folhas para banho
como, a “abre caminho”, “vence tudo”, “vence
demanda”, “vence batalha”. Você pode cozinhar, pode machucar na água e tomar banho. Indico
alguns chás também, mas tem que ter cuidado com a dosagem, porque com eu já disse,
folha cura e folha mata.