quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Kossi ewe kossi orixá- se não tem folha não tem orixá




Normália Ferreira da Silva
Por Andréia Salles e Maiara Fernandes

Se para o povo de santo o termo: "Kossi ewe kossi orixá- se não tem folha não tem orixá", para Normália Ferreira da Silva, conhecida como Mália, a folha vai além disso, para ela, sem folha não há sustento. Catadora e vendedora de folhas, há 24 anos, Mália é mãe de onze filhos, todos criados com o dinheiro que ela recebe vendendo ervas medicinais. Aos 44 anos de idade, é uma mulher forte e independente, conta que já trabalhou “com cabo de enxada”, limpando e plantando nas roças de outras pessoas. Vaidosa, chega ao terreiro Ilê Asé Ode Oluami, em Simões Filho, para a entrevista maquiada, imagem que contrasta com a da catadora de folha que  entra no mato com facão, vestida com  bota, calça, capote, touca e até chapéu para se proteger. Bem humorada e orgulhosa da profissão Mália, mostra as mãos calejadas, feridas de espinho e pela reação alérgica a algumas folhas, durante a entrevista ela nos revela a preocupação em relação a extinção de algumas ervas e conta a sua rotina como  catadora.



Blog de Jidewa: Vender folha é um bom negócio?



Normália Ferreira da Silva: É um bom negócio, dá para sobreviver já que folha não tem um prazo de validade, pode ser usada até seca, mas é bem melhor para quem tem barraca lá em São Joaquim. Cada mói chega á feira por cinquenta centavos. Eles (os feirantes) dividem cada mói, faz dois e  revendem  por até dois  reais.   Apesar do preço da folha ser  tabelado, por cinquenta centavos, alguns catadores vendem pra eles até por trinta centavos  para não voltarem para casa com a mercadoria. 


BJ: Como a senhora descobriu que poderia sustentar a sua família catando folha?



NFS: Já trabalhei “com cabo de enxada”, limpando e plantando nas roças de outras pessoas, já fiz muita coisa. Um dia a minha comadre que é catadora de folha me  convidou pra buscar folha com ela. Via que eu passava dificuldades  para criar os dois filhos que eu tinha.  Na época eu já estava grávida do terceiro e hoje eu tenho onze filhos, todos criados com este dinheiro.



BJ: Quanto tempo levou para a senhora começar a conhecer cada folha e as  suas propriedades?

NFS: Eu aprendi rápido, não levou muito tempo, a necessidade faz isso (risos). Com um tempo eu fui aprendendo a identificar  cada folha, no começo a maior dificuldade era saber para que servia cada uma. As pessoas têm que ter cuidado por que como qualquer remédio, a dose for errada pode até matar. Folha cura e folha mata.



BJ: O  mato não é perigoso?

NFS: Às vezes eu vejo cobras, mas não tenho medo dos animais eu é que estou invadindo o lugar deles. Quando vejo eu mudo o meu caminho. Dificuldade maior é pra encontrar  algumas folhas. Uma vez também eu me perdi dentro do mato, passei mais de horas perdida.  Eu tenho que andar muito pra achar variedade porque elas não foram plantadas, nasceram lá. Para marcar o caminho vou roçando com um facão e abrindo o caminho. Uma vez em pitanga de palmares (outra localidade), apareceu um homem com um pau na mão, e pedindo para  que eu tirassem a roupa, eu reagi e botei ele pra correr. (risos)




BJ: A senhora já disse que não tem medo dos perigos que a mata pode oferecer, isso então significa que não há dificuldade neste trabalho?


NFS: Claro que tem! (risos) Hoje eu não encontro mais todas as folhas aqui em Simões Filho. Eu tenho que ir pra Dias D’avila, Nova Dias D’avila, Pitanga de palmares, Mata de São João. Antes era mais fácil encontrar. Algumas ervas eu planto no meu quintal, kioiô, espada de ogum, guiné, mas outras não é possível, pelo tamanho que algumas atingem. Eu corto com o facão, mas não tiro as plantas pela raiz para que elas possam renovar, crescer, tem catador que tira pela raiz aí a tendência é a folha ficar extinta.
O pior de tudo isso é que depois a gente ainda tem que enfrentar o preconceito das pessoas que dizem que as folhas são para fazer macumba e ficam gritando dentro do ônibus. Alguns motoristas (de ônibus) também não querem levar a bagagem.


Normália separa as folhas para vender


BJ: Como é a sua rotina?

NFS: Vou “pro” mato todos os dias. Cato um dia e levo no outro. Quando chego do mato separo cada folha, amarro com palha de coqueiro e molho pra não murchar. Depois que separo, coloco no carro de mão e a noite mesmo eu já levo para o ponto de ônibus e deixo lá para levar no dia seguinte pela manhã para São Joaquim.
Ás três horas da manhã tenho que estar no ponto para pegar o ônibus que leva os vendedores para a feira, algumas pessoas levam hortaliças, palha de banana, folhas, frutas.  Chego à feira ás 05h da manhã e volto para (Simões Filho)  ás dez da manhã, nem vou pra casa, já saio para catar ( folha) novamente.  Vendo para os donos de barraca da Feira, as folhas são  encomendadas, já levo separadas.





BJ: Qual a folha mais procurada?

NFS: A folhas mais vendidas são as que servem para banho: contra inveja, para prosperidade, como a “vence tudo”, “abre caminho”, “tira teima” e a kioiô. Eles (os comerciantes) procuram também as folhas para fazer chá.



NFS: Não. Todos os meus filhos sempre ajudavam e ajudam até hoje.  Além disso, eu sempre saio pra catar (folha) com a minha vizinha, ás vezes encontro alguns catadores também. Meus filhos ajudam nas tarefas de casa além de catar folha, mas não é sempre porque eu não quero que eles percam aula de jeito nenhum. Tenho três filhas casadas que sobrevivem também com o dinheiro da venda de folhas.


BJ: As folhas são vendidas em outro lugar?

NFS: Não. Eu só vendo na Feira  de São Joaquim.


BJ: Quantas sacas de folha a Senhora vende por dia?

NFS: Eu cato (em média) duas sacas por dia que rende mais ou menos cem reais.


Malía mostra folhas indicadas para banho


BJ: Dizem que de médico e louco todo mundo tem um pouco. A senhora é só catadora ou indica receitas também?

NFS: Apesar de não ser fiel do candomblé eu tenho um cargo no Terreiro, sou  yalosain - a mulher das folhas –  Cuidadora de Ossaim (Orixá responsável por todas as folhas medicinais e ervas utilizadas nos rituais). Já catei muita folha  aqui (no terreiro), mas hoje não existe mais.
Ah! eu indico sim. Indico  folhas para banho como, a  “abre caminho”, “vence tudo”, “vence demanda”, “vence batalha”. Você pode cozinhar,  pode machucar na água e tomar banho. Indico alguns chás também, mas tem que ter cuidado com a dosagem, porque com eu já disse, folha cura e folha mata.  


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